Reunimos algumas das dúvidas mais comuns sobre o aborto no Brasil:
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1) Em que situações posso abortar dentro da lei brasileira?
No Brasil, você pode abortar legalmente em três situações:
- Se a gravidez decorrer de estupro (aborto emocional);
- Se a a gravidez for um risco de vida para a mulher (aborto necessário);
- Em caso de anencefalia fetal (uma situação que se enquadra no caso anterior).
Por ano, no brasil, são feitos cerca de 1.500 abortos legais e algo em torno de 20 mil curetagens (raspagens do útero) pós-aborto pelo SUS. Para mais informações sobre documentos, permissões e condições, veja o item 9.
(leia mais na HQ Maria Dentro da Lei)
2) Posso ser presa por abortar ilegalmente? Por quanto tempo?
Segundo o Código Penal, se a mulher aborta por livre e espontânea vontade (e fora das situações que a gente explicou no item 1), ela pode ser detida de 1 a 3 anos. Se alguém ajudar, essa pessoa pode ser reclusa por 1 a 4 anos. Agora, se o aborto for provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, a pena é de reclusão, de 3 a 10 anos, para o agressor.
Mas, na verdade, poucas mulheres chegam a ir para a cadeia por abortarem ilegalmente. A maioria acaba recebendo a pena condicional, que geralmente é trabalhar em algum órgão do Estado por dois anos. Quase sempre, é uma instituição onde há crianças, como creches, por exemplo (informação do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo).
(leia mais na HQ Maria Dentro da Lei)
3) Posso ser presa por estar lendo/ compartilhando isso?
Não. A troca de informações sobre o aborto é livre, garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal – que determina o direito à livre informação. Inclusive, é obrigação do Sistema Público de Saúde deixar claro à mulher os seus direitos reprodutivos.
4) Em que países é possível abortar legalmente?
Você pode ver a lista completa aqui (em inglês).
5) Como é um aborto clandestino seguro?
Em São Paulo, um aborto seguro em uma clínica clandestina de elite custa entre 3 mil e 15 mil reais (o valor depende do tempo de gestação: quanto mais avançada a gravidez, maior o valor). O procedimento leva cerca de 5 minutos e é feito a partir de um método chamado aspiração intrauterina, que não corta nem raspa o útero: é uma sucção simples do endométrio (a base do embrião no útero), que, se for bem feita e com instrumentos esterilizados, representa poucos riscos para a saúde da mulher. Saiba mais na HQ Maria Mudança.
6) Posso morrer ou ficar infértil abortando?
Depende do quanto você pode pagar pelo procedimento.
Nas clínicas de elite, onde é usada a técnica segura da aspiração intrauterina, quase não há risco: segundo a OMS, a cada 170 mil abortamentos feitos com aspiração, só 0,1% sofre algum tipo de complicação, como infecções ou sangramentos. Esse método é o mais utilizado em países que permitem o aborto, como os EUA (onde morrem 0,7 mulheres a cada 100 mil abortamentos), e também nos casos de aborto legal no Brasil.
Mas a coisa muda de figura se a mulher acabar fazendo um aborto clandestino inseguro – ou seja, usando remédios de origem duvidosa, objetos pontiagudos ou com a ajuda de uma pessoa não qualificada. Entre 20% e 30% desse tipo de procedimento causam infecções no canal vaginal, e 40% deixam sequelas no útero.
Claro: essa situação de risco é muito mais frequente entre as mulheres pobres – notadamente entre as negras -, ou as que não têm 3 mil reais para pagar uma clínica segura. Ao contrário dos EUA, na África acontecem 460 mortes a cada 100 mil abortos; na África Subsaariana o número aumenta para 520 a cada 100 mil procedimentos. Enquanto isso, na América Latina, são 30 mortes a cada 100 mil abortos, e na Ásia, 160 mortes a cada 100 mil abortos.
7) O que fazer se fui estuprada?
Antes de mais nada: corra para um hospital ou posto de saúde para fazer a prevenção do HIV e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis – e também para tomar a Pílula do Dia Seguinte e evitar uma gravidez indesejada. O Boletim de Ocorrência NÃO precisa ser feito antes de tratar da sua saúde. Para mais informações, você pode entrar em contato com um Centro de Referência às Vítimas de Violência (leia mais sobre o tema na HQ Maria Dentro da Lei).
8) O que fazer se fui estuprada e engravidei?
Você tem três opções: seguir com a gravidez e criar a criança, seguir com a gravidez e dar a criança para a adoção ou fazer um aborto legal (veja o item a seguir). Mas é importante ter consciência de que, caso você escolha a adoção, não é tão simples: antes de colocar a criança em um orfanato, o Juizado de Menores vai tentar fazê-la ficar na sua família – ou seja: muito provavelmente, você terá de conviver com ela. No Brasil, também é ilegal escolher um casal para adotar a criança, como é possível nos Estados Unidos, por exemplo. (leia mais na HQ Maria Dentro da Lei)
9) Como funciona o aborto legalizado no Brasil?
(a HQ Maria Dentro da Lei tem todas essas informações)
A- Preciso fazer um Boletim de Ocorrência (B.O.)?
Não. Para fazer um aborto legalizado, segundo a lei brasileira, você só precisa da carteirinha do SUS e de um documento de identificação (como RG ou carteira de motorista).
B- O que é preciso para fazer um aborto legal?
Em caso de estupro, a mulher só precisa se identificar e mostrar a carteirinha do SUS para começar o atendimento. Funciona assim: primeiro, a vítima faz um exame de Corpo de Delito no Instituto Médico Legal (IML); depois, passa por uma assistente social, que explica as opções da mulher em relação à gravidez (ver item 8). De lá, a mulher faz um exame de ultrassom (para determinar a idade gestacional e conferir se a gravidez é mesmo fruto do estupro), passa em uma consulta com uma psicóloga e em uma consulta médica – e só aí é que o aborto é realizado.
Em caso de risco de vida da mulher (e em situação de anencefalia fetal), são exigidos dois pareceres técnicos, de dois médicos diferentes, que depois serão analisados por um juiz.
C- Onde posso fazer um aborto legal no Brasil?
O hospital de referência para a interrupção legal da gravidez é o Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Teoricamente, qualquer hospital que tenha um setor de obstetrícia e ginecologia é capacitado para fazer um aborto legal, e é seu direito ser atendida em qualquer um desses estabelecimentos – são 71 no Brasil inteiro. Mas, na realidade, existe uma grande resistência dos profissionais de saúde em realizar o procedimento (muitos sequer dão informações sobre isso às mulheres), embora seja seu direito. O Ministério da Saúde também não disponibiliza a lista desses estabelecimentos.
D- Preciso ser maior de idade?
Não. Mas fique atenta: quem é menor de idade precisa estar acompanhada dos pais ou do representante legal. E mais: se você é maior de 12 anos, pode decidir por si mesma se quer ou não abortar – e não precisa de autorização nem dos seus pais ou representantes legais. Agora, se você é menor de 12 anos, depende da autorização de seus representantes.
E- Preciso estar acompanhada?
Se você é maior de idade, não. Se for menor de idade, sim. Mas a recomendação do Ministério da Saúde é que você esteja acompanhada, já que o procedimento pode ser um forte impacto emocional – e já que você terá de ser internada.
F -Até quanto tempo de gestação é possível abortar legalmente?
Você pode abortar legalmente até as 21 semanas (cerca de 5 meses) de gestação. Mas atenção: o peso fetal não pode passar das 500 g.
G- Como é o procedimento legal?
Uma vez que toda a burocracia seja feita (ver item B), a mulher é internada. O aborto é feito usando um remédio para estimular contrações (que faz a mulher menstruar) e, depois, os médicos fazem uma aspiração intrauterina (obrigatoriamente com anestesia geral) para ter certeza de que nada ficou ali. A curetagem (raspagem do útero) não é recomendada, a não ser que o hospital não tenha um aparelho de aspiração (por isso, é importante que a mulher vá a um hospital especializado na saúde da mulher, como o Pérola Byington).
H- O que fazer se o médico me obrigar a confessar um aborto ilegal, mesmo que meu aborto seja um acidente ou que esteja dentro das condições para uma interrupção legal?
Não diga nada. Você tem os seus direitos, e médico nenhum pode coagir um paciente a fazer nada. Isso é crime, além de ser uma quebra de sigilo entre médico e paciente.
10) Existe alguma perspectiva de legalização ou descriminalização do aborto no Brasil?
Existem alguns grupos que lutam pela legalização total do aborto, como o Instituto de Bietica ANIS, a Sempreviva Organização Feminista e o Grupo de Estudos sobre o Aborto, mas esse é um trabalho de formiga: só em 2012 é que a anencefalia entrou na lista de abortos legais no Brasil. Hoje, esses grupos estão unidos para que o governo permita o aborto em caso de microcefalia, por causa da epidemia do Zika vírus.
Mas o que se vê de fato é o constante perigo do retrocesso: em 2015, tramitava no Congresso o Projeto de Lei 5069, do então deputado Eduardo Cunha, que limitava o acesso à pílula do dia seguinte, criminalizava a informação sobre o aborto legal e dificultava ainda mais o aborto, obrigando as mulheres a fazer o B.O. antes de qualquer outra coisa para ter acesso ao procedimento.
Saiba mais sobre o tema:
Sobre aborto legal:
- Maria Dentro da Lei: o aborto legalizado
- Atenção Humanizada ao Abortamento: os seus direitos segundo o Ministério da Saúde
- Dor em Dobro: uma reportagem sobre aborto legal no Brasil
- Código Penal (buscar por aborto)
Informações sobre aborto em geral:
- HQ Maria Julieta: a mulher periférica e o aborto
- HQ Maria Mudança: a mulher de classe média e o aborto
- Sempreviva Organização Feminista
- Documentário Clandestinas (2008)
- ONG Católicas Pelo Direito de Decidir
- ONG Reproductive Rights (em inglês)
- FAQ sobre o aborto: tudo que você deveria saber a respeito, do Think Olga
- Direitos Reprodutivos são Direitos Humanos (ONU Mulheres, em inglês)
Sobre o aborto no passado: